Bom humor no exterior tende a ajudar o Ibovespa, mas o movimento pode ser limitado. (Imagem: zignalstudio em Adobe Stock)
A suspensão temporária de tarifas comerciais pelos Estados Unidos por 90 dias, exceto para a China, anunciada na tarde desta quarta-feira (9) pelo presidente Donald Trump, provocou uma reação imediata e brusca nos mercados. As Bolsa de Nova York, que operava em queda, ou a disparar. O Ibovespa, também em baixa, disparou. E o dólar, acima dos R$ 6, inverteu para queda. A notícia foi recebida como um sinal de que as tensões comerciais globais podem, ao menos momentaneamente, recuar. A medida é interpretada por investidores como uma abertura para negociações mais brandas, embora ainda envolta por uma atmosfera de cautela.
O termômetro desse sentimento do mercado ficou evidente por meio dos números: após o anúncio, o dólar e os principais índices das bolsas americanas e brasileira apresentaram variações rápidas nesta quarta. A moeda americana recuou 2,51% frente ao real e fechou em R$ 5,8473. O câmbio, que havia ultraado R$ 6 com a retaliação chinesa, inverteu de forma brusca o movimento de alta desde início da sessão. O dólar foi de R$ 6,06 a R$ 5,83 em uma única sessão com pausa nas tarifas de Trump. O Ibovespa registrou forte volatilidade, com uma variação de 4,69% entre a mínima e a máxima do dia. O índice chegou a cair até os 122.887 pontos, mas atingiu o pico de 128.649 pontos no decorrer da sessão, fechando com a marca de 127.795,93 pontos, um ganho de 3,864,04 pontos. A oscilação total foi de 5.762 pontos. A virada para o positivo ocorreu por volta das 14h30, horário de Brasília, e se manteve até o fim do pregão.
Já o S&P 500 saltou 9,52%. Segundo dados da FactSet, trata-se do terceiro maior ganho diário do índice desde a Segunda Guerra Mundial. O Dow Jones Industrial Average, por sua vez, também reagiu com força, avançando 2.962,86 pontos — uma alta de 7,87% — e registrando seu melhor desempenho desde março de 2020. O Nasdaq Composite, por outro lado, teve a reação mais expressiva entre os três principais índices, disparando 12,16%. Foi o maior salto diário desde janeiro de 2001 e o segundo melhor da história do índice. Antes da trégua nas tarifas, o VIX, conhecida como o “índice do medo”, registrou altas diárias próximas de 20%, comportamento que costuma ser observado em períodos de estresse extremo, como durante a crise financeira de 2008 ou no início da pandemia de covid-19.
Numa só sessão: valor das empresas salta US$ 4,7 trilhões em valor agregado
O movimento também impulsionou uma valorização forte das empresas listadas nos Estados Unidos: o valor de mercado agregado subiu US$ 4,79 trilhões apenas no pregão de terça-feira. O avanço foi liderado pelas chamadasSete Magníficas — Apple, Microsoft, Nvidia, Amazon, Alphabet, Meta e Tesla — que puxaram grande parte do rali com ganhos acima da média. “Este é o momento primordial que esperávamos”, afirmou Gina Bolvin, presidente do Bolvin Wealth Management Group, em entrevista à CNBC. “A reação imediata do mercado foi extremamente positiva, com os investidores interpretando isso como um o em direção à clareza tão necessária”.
As quedas dos últimos dias em Wall Street, após o anúncio de Trump sobre as tarifas recíprocas, haviam corroído o valor das empresas: segundo levantamento de Einar Rivero, CEO e sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, o valor de mercado das empresas listadas nos Estados Unidos havia encolhido US$ 9,9 trilhões entre 20 de janeiro e segunda-feira (7).
Para Guilherme Petris, operador de renda variável da Manchester Investimentos, o movimento de queda para alta desta quarta (9) foi semelhante ao que ocorreu no início da semana, na segunda (7), quando um boato relacionado às tarifas gerou volatilidade nas bolsas. Dessa vez, a trégua de 90 dias foi confirmada, mas com uma exceção importante: a China ficou de fora do acordo. Essa exclusão mantém a incerteza elevada, especialmente entre os investidores que acompanham de perto as relações entre as duas maiores economias do mundo.
“Ambiente segue sensível, mas suspensão das tarifas traz alívio”
Apesar do fôlego trazido pela suspensão das tarifas, segundo Petris, a medida é vista como uma solução de curto prazo. “O ambiente segue sensível e qualquer nova declaração ou mudança de posição pode alterar rapidamente o comportamento dos mercados. A exclusão da China do alívio tarifário reforça a percepção de que o conflito comercial entre Washington e Pequim ainda está longe de uma resolução clara”, diz.
Apesar de movimentos pontuais de alívio nos pregões, não há sinais consistentes de que a tensão comercial entre os dois países esteja perto de uma solução. A afirmação é do analista de ações da VG Research, Milton Rabelo, que observa que a expectativa inicial de uma condução mais equilibrada na política externa foi substituída por receios renovados, com operadores avaliando os possíveis efeitos sobre o comércio global e o crescimento econômico.
“O momento é de mais perguntas do que respostas, porém não parece haver um alívio sustentável na guerra comercial, no momento. Essa estratégia de atacar e recuar tem sido amplamente utilizada pelo Trump há um bom tempo e claramente faz parte das suas táticas de negociação. O que causou mal-estar nos últimos dias é que ele não parecia disposto a recuar em suas investidas, o que aconteceu hoje, provocando um certo alívio no mercado”, avalia.
Publicidade
Mesmo com a queda do dólar hoje, Elson Gusmão, diretor de operações da Ourominas, acredita que a moeda americana ainda tende a oscilar bastante nos próximos dias, influenciado por decisões políticas externas e pela incerteza no comportamento dos investidores locais frente às manchetes internacionais. “Mesmo com a trégua parcial, a manutenção de tarifas mais duras contra a China mantém o pano de fundo tenso para os mercados. O real pode até ter algum espaço para valorização no curto prazo, especialmente se houver entrada de fluxo estrangeiro, mas o risco de reversão permanece elevado. A volatilidade ainda é o principal vetor para o câmbio nas próximas semanas”, diz.
Quem perdeu e quem deve voltar a ganhar
A correção nos preços do petróleo e do minério de ferro nos últimos dias foi puxada pela expectativa de uma desaceleração na demanda global, provocada pela adoção de novas tarifas comerciais. A queda nos preços dessas commodities afetou diretamente empresas dos setores de energia e mineração, que registraram forte desvalorização. Segundo especialistas, com o anúncio da suspensão temporária das tarifas, o mercado já ensaia um movimento de recuperação graças a uma possível retomada parcial da demanda. Papéis que estavam entre os mais penalizados, como os ligados a petróleo, minério e aço, mostraram sinais de melhora, ainda que de forma limitada e sujeita a novas revisões.
Setores ligados à tecnologia, automóveis e manufatura também acompanham esse movimento de curto prazo, com a expectativa de que uma menor interferência comercial favoreça a cadeia produtiva internacional. Empresas que operam com insumos importados, como as do setor de eletrônicos e de metais, tendem a se beneficiar com custos mais baixos, o que pode melhorar margens e favorecer novos investimentos. Em economias emergentes mais integradas ao comércio global, como o Brasil, esse cenário pode favorecer as exportações de commodities, sobretudo do agronegócio e da mineração.
A pausa nas tarifas não resolve os entraves estruturais do comércio internacional, mas abre espaço para uma trégua momentânea em meio às incertezas. “Esse alívio, amparado pela expectativa de que as negociações avancem com menos tarifas, já levou a uma pressão compradora de ações de empresas de commodities, como Petrobras (PETR4) e Vale (VALE3), por exemplo. Por outro lado, alguns setores têm sentido impactos relativamente muito pequenos do tarifaço do Trump, entre os quais é possível citar o segurador”, diz Rabelo.
A guerra comercial entre Estados Unidos e China pode abrir espaço para o Brasil ampliar sua participação nas exportações de matérias-primas para o mercado asiático, afirma o mestre em finanças pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em economia e política internacional, Paulo Godoi Filho. A tarifa de 10% imposta pelo governo norte-americano, diz ele, é considerada moderada, o que favorece uma reorganização das rotas comerciais globais sem travar completamente o fluxo de bens. Nesse contexto, o Brasil aparece como um potencial fornecedor alternativo, especialmente em setores como o de mineração e agronegócio, onde já mantém presença relevante.
Na mesma linha de pensamento, Rabelo diz que o exemplo concreto desse movimento citado por Filho vem do Porto do Açu, no litoral do Rio de Janeiro, que registrou aumento na demanda nos últimos meses. De acordo com a istração do terminal, o conflito comercial entre as duas maiores economias do mundo tem influenciado diretamente no volume de operações, com empresas buscando alternativas para contornar as restrições impostas pelas tarifas. A expectativa é de que, caso a disputa persista, o Brasil consiga ampliar sua fatia nas exportações globais, ocupando lacunas deixadas por produtos norte-americanos barrados na China.
Como o investidor deve reagir nesta quinta (10)
Em momentos de forte instabilidade nos mercados, especialistas recomendam cautela e disciplina. O investidor deve evitar mudanças abruptas na composição da carteira, uma vez que decisões impulsivas podem comprometer a estratégia de longo prazo. Manter uma parcela relevante em caixa permite aproveitar oportunidades pontuais, com aportes periódicos em ativos que estejam excessivamente descontados devido ao ambiente de incerteza. Essa abordagem, dizem os analistas, favorece a diluição de riscos e a construção de um portfólio mais equilibrado ao longo do tempo, especialmente quando o mercado ainda busca sinais mais claros de estabilidade.
Publicidade
Para os especialistas ouvidos pelo E-Investidor, o comportamento dos mercados nesta quinta-feira (10) estará diretamente ligado às próximas declarações de Donald Trump, de membros do seu governo e de autoridades do Partido Comunista Chinês. Apesar do alívio observado, especialmente na sessão desta quarta, o ambiente continua sujeito a mudanças abruptas. Investidores permanecem atentos a qualquer sinal de escalada ou trégua na disputa comercial entre as duas potências, o que pode provocar reações imediatas e abruptas nos ativos globais. A volatilidade permanece elevada, e, segundo eles, o humor dos agentes financeiros segue sensível a qualquer nova informação vinda de Washington ou Pequim.