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Colunista

Corte de trilhões de dólares: o mega projeto de Trump

Plano fiscal ambicioso de Trump tenta unir alas do Partido Republicano com políticas domésticas

A visita de Donald Trump ao Capitólio mexeu com os ânimos dos republicanos em torno de sua ambiciosa meta. (Foto: Adobe)
A visita de Donald Trump ao Capitólio mexeu com os ânimos dos republicanos em torno de sua ambiciosa meta. (Foto: Adobe)

A visita de Donald Trump ao Capitólio nesta semana parece ter sacudido os republicanos da Câmara e os aproximado de um acordo em torno de sua megapauta legislativa — um pacote abrangente de políticas domésticas centrado em cortes de impostos que podem ultraar os trilhões de dólares. Durante semanas, os parlamentares do Partido Republicano travaram batalhas internas sobre o conteúdo do projeto, com facções exigindo mudanças específicas.

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No encontro a portas fechadas de terça-feira (20), Trump pressionou pessoalmente os grupos em conflito a deixarem as divergências de lado e se unirem em torno daquilo que ele chama de um projeto “grande e bonito”.

Apesar de alguns parlamentares continuarem dizendo em público que são contra o texto atual, muitos deles, nos bastidores, começaram a procurar formas discretas de chegar ao “sim” — desde que possam alegar alguma vitória nos seus temas de interesse.

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O conflito interno no Partido Republicano gira em torno de duas alas principais: os conservadores radicais, que querem cortes mais profundos nos gastos públicos, e os moderados de estados com alta carga tributária, que lutam pela ampliação da dedução dos impostos estaduais e locais (o famoso SALT).

Cada grupo tem poder real de barganha, já que a maioria republicana na Câmara é extremamente apertada. De um lado, nomes como o deputado Andy Harris, de Maryland, insistem em cortar mais programas federais para compensar as perdas com os cortes de impostos. Ele chegou a exigir, por exemplo, cortes mais agressivos no Medicaid. Do outro lado, parlamentares de Nova York, Califórnia e Nova Jersey — apelidados de “caucus SALT” — ameaçavam votar contra a proposta caso ela não alivie os limites de dedução para contribuintes desses estados.

As negociações foram duras. Moderados contra radicais, preocupações fiscais contra promessas de campanha. Como disse um assessor republicano: “Todo mundo está procurando uma saída honrosa”.

Nos últimos dias, a equipe do presidente da Câmara, Mike Johnson, intensificou os acordos de bastidores para conquistar cada voto individualmente. E o clima mudou: na noite de terça, até Harris, o conservador mais resistente, disse que as coisas estavam “indo na direção certa”, especialmente depois de Trump ter pedido para deixarem o Medicaid fora dos cortes mais severos.

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Ao mesmo tempo, os moderados do SALT conseguiram avançar após um “puxão de orelha” de Trump, com a liderança concordando em elevar o limite da dedução e estender sua duração.

O que tem na “Grande” Lei: cortes de impostos e concessões

O que esse projeto gigantesco, de mais de mil páginas, realmente propõe? Batizado de forma bastante característica como “One, Big, Beatiful Bill”, o pacote reúne promessas de campanha de Trump e prioridades antigas do Partido Republicano. Entre os principais pontos:

  • Cortes de impostos de trilhões de dólares: A proposta torna permanentes os cortes individuais aprovados em 2017 e introduz novos benefícios fiscais, como isenção sobre gorjetas, horas extras e parte dos juros de financiamentos de carros. Alguns benefícios da Previdência Social também deixariam de ser tributados;
  • Aumento nas deduções: O projeto eleva o desconto padrão em cerca de US$ 2.000 para casais e aumenta o crédito por filho. Também dobra a isenção do imposto sobre herança, favorecendo grandes patrimônios. Já no caso do SALT, o teto subiria de US$ 10 mil para US$ 30 mil (ou até mais) e valeria por dez anos;
  • Cortes em gastos sociais: As mudanças incluem exigências de trabalho para adultos sem dependentes que recebem Medicaid e SNAP (programa de assistência alimentar). Além disso, parte dos custos do SNAP aria a ser responsabilidade dos estados;
  • Fim de incentivos à energia limpa: O projeto também revoga ou antecipa o fim de vários créditos e subsídios criados no governo Biden para acelerar a transição energética — um gesto claro aos republicanos mais céticos quanto às mudanças climáticas;
  • Outros pontos: Há ainda subsídios agrícolas e possíveis recursos para políticas de imigração e segurança de fronteira, agradando diferentes grupos da bancada republicana.

Johnson quer votar o projeto na Câmara até o feriado de ‘Memorial Day’, acelerando as negociações para evitar novos imes. Uma reunião extraordinária do Comitê de Regras foi marcada para 1h da manhã — um horário que mostra o nível de urgência.

Como os democratas são totalmente contra, os republicanos só podem perder alguns poucos votos. Por isso, os bastidores estão fervendo: a liderança se prepara para colocar o projeto no plenário mesmo sem garantir todos os apoios e usar a pressão direta, especialmente de Trump, para dobrar os últimos resistentes.

A lógica é simples: quem votar contra, vota contra o presidente. E, para muitos deputados, isso significa enfrentar a ira da base trumpista e dos eleitores. Se a Câmara aprovar o texto, ele segue para o Senado — onde os ajustes podem continuar. O processo pode se estender por semanas, especialmente se forem necessárias reconciliações entre as versões das duas casas.

Esse projeto não é só uma pauta legislativa: é a cara de Donald Trump. Desde o nome do projeto até seus principais itens, tudo reflete seu estilo político. Trump esteve pessoalmente no Capitólio, reuniu-se com parlamentares, fez discursos com tom ora amigável, ora ameaçador, e deixou claro que espera lealdade. Quem não apoiar o projeto pode ser alvo direto de suas críticas públicas — como já foi o caso de alguns deputados mais resistentes.

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Sua presença teve impacto: vários parlamentares saíram da reunião declarando apoio ou, pelo menos, “disposição ao diálogo”. Ele também conseguiu frear a ala mais radical que queria cortar o Medicaid, dizendo que esse programa deveria ser poupado. Em suma, Trump foi o símbolo, o fiador e o cobrador dessa proposta. Ao mesmo tempo em que oferece cobertura política para quem votar a favor, impõe risco político para quem ousar discordar.

Mas por trás do espetáculo político, há perguntas incômodas sobre os impactos reais dessa megapauta. Os republicanos argumentam que os cortes de impostos vão gerar crescimento econômico, o que compensaria parte do custo. Mas especialistas alertam: as projeções mostram que o pacote pode aumentar a dívida pública em mais de US$ 3 trilhões nos próximos dez anos — em um país que já tem mais de US$ 36 trilhões em dívida. Além disso, muitas das economias previstas só entrariam em vigor daqui a anos, enquanto os cortes de impostos têm efeito imediato.

Outro problema é o risco de a medida pressionar a inflação ou os juros, caso investidores percam confiança na responsabilidade fiscal dos EUA. O histórico recente não ajuda: os cortes de 2017 não se pagaram, e o déficit explodiu. No lado social, a proposta pode resultar em milhões de pessoas perdendo o à saúde ou à assistência alimentar, o que afetaria diretamente comunidades vulneráveis e teria impactos indiretos sobre hospitais, governos locais e a economia.

A tentativa de desmontar os incentivos à energia limpa também preocupa. Ao eliminar os créditos para energias renováveis, o país pode perder competitividade frente à China e à Europa justamente em um dos setores que mais crescem. Em nome de uma economia imediata, o projeto pode prejudicar a transição energética e os empregos do futuro.

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Por fim, há um desequilíbrio visível nos ganhos: os maiores benefícios vão para os mais ricos, enquanto os riscos são distribuídos a toda a população. Reduzir impostos para heranças bilionárias, ao mesmo tempo em que se corta o ao Medicaid e ao SNAP, é uma escolha que gera desigualdade e tensão social — e isso, mais cedo ou mais tarde, cobrará um preço político.

A megapauta republicana é ambiciosa, controversa e profundamente marcada pela figura de Donald Trump. É uma tentativa de unificar um partido dividido em torno de uma agenda fiscal ousada, mas cheia de riscos. Se for aprovada, será uma vitória política significativa para os republicanos e para o -presidente. Mas também será um experimento de alto custo — fiscal, social e econômico. A história dirá se essa aposta valeu a pena. Por ora, ela parece mais uma dessas promessas “grandes e bonitas” que brilham no discurso, mas pesam bastante na realidade.

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