O influenciador pode usar as redes sociais para impulsionar uma ação específica e lucrar com isso. (Foto: Pixabay)
(Aramis Merki II) – A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acompanha o mercado, as tendências e o comportamento dos atores dos mercados antes de instituir suas regulamentações. A autarquia olha para o crescimento de conteúdos sobre finanças nas redes sociais há alguns anos. Neste ano, realiza a Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre a atuação de influenciadores digitais.
Ao longo do processo de aprofundamento na questão, é possível que ocorra ainda uma audiência pública sobre o tema para embasar uma possível regulamentação. Para Jonathan Mazon, advogado sócio do Junqueira Ie Advogados, o caminho até uma resolução do órgão deve ser longo, pelo menos para o meio de 2023. “A atenção ao assunto de criptoativos e fraudes relacionadas pode acelerar o processo, mas não vejo possibilidade para este ano”, diz.
Mazon avalia que a CVM pode se inspirar em regras praticadas nos Estados Unidos, que são principalmente voltadas à transparência que influenciadores devem ter diante de conteúdos patrocinados. Para além disso, o advogado enxerga que o Brasil necessita de uma regulamentação mais forte e com definições claras das fronteiras para a atividade. “Espero não ver um exagero, por exemplo, a criação de um cadastro, mas esta pode se uma forma de sujeitar os influenciadores de forma mais clara à regulamentação. Uma espécie de certificação da CVM é um carimbo que muita gente vai correr atrás”, afirma.
Cristiano Correa, professor de Finanças e coordenador do curso de istração de Empresas do Ibmec, não vê possibilidade da criação de um cadastro para influenciadores, mas entende que o regulador deve reforçar o monitoramento sobre o tipo de conteúdo que é veiculado – se aquela pessoa está qualificada para recomendar serviços ou produtos, por exemplo. Ele aponta que uma certificação pode ser uma forma do regulador permitir que as pessoas saibam que determinado influenciador é qualificado. “Espero que o caminho da CVM seja, em primeiro lugar, informar bem o público”, diz.
Correa pondera que é impossível controlar a produção de conteúdo na web. Neste ponto, Mazon lembra que o papel da CVM é delimitar regras e monitorar, mas que a regulação não é garantia de que não vai haver fraudes. “Talvez quem iria cometer uma fraude pode pensar melhor quando vê que punições são aplicadas”, comenta o advogado.
Armadilhas
A baixa educação financeira do brasileiro cria espaço para ‘situações esdrúxulas’, na visão de Correa, como promessas de rentabilidades altíssimas. Casos por aqui já foram vistos e viraram notícia, mas a atuação ainda não é assertiva justamente por não haver regulamentação específica para os influenciadores. As investigações da CVM não são públicas até que exista uma decisão. Portanto, não é possível saber se a autarquia analisa casos relacionados à atividades irregulares em mídias sociais.
Correa cita a Gamestop como exemplo global da influência das redes. A forte valorização e posterior queda da ação da empresa nos Estados Unidos teve início com um usuário do fórum online Reddit mobilizando pessoas para comprar os papéis. O movimento levou fundos a liquidarem suas posições e gerou prejuízo a grandes players institucionais. Correa questiona se influenciadores com muitos seguidores, às vezes na casa dos milhões, não poderiam direcionar o preço de ativos com orientações de compra ou venda ao seu público.
CVM se limita à analistas profissionais
Em Ofício Circular de 2020, a CVM esclareceu dúvidas sobre como observa “atuação de pessoas nas redes sociais na suposta oferta de serviços profissionais que dependam de registro na CVM, sejam influencers ou não”. A área técnica reforça que atualmente só se enquadra em sua regulamentação os produtores de conteúdo que podem ser designados como analistas de valores mobiliários. O documento explica que a atividade é exercida por quem, em caráter profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação ou distribuição a terceiros.
Para definir o que chama de caráter profissional, os padrões observados são a habitualidade do conteúdo, os benefícios ou remunerações obtidas com as recomendações, a cobrança de s, além de receitas indiretas em função do o de terceiros. “Manifestações nas redes sociais ou por qualquer outro meio, ainda que contenham opinião sobre valores mobiliários, mas que não evidenciem o exercício desse ofício de forma profissional, não exigem prévio credenciamento [como analista]”, aponta o ofício.
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A linguagem utilizada nos materiais também é analisada pela CVM. Mesmo que os influenciadores usem avisos como “não se trata de recomendação de investimento”, o exercício profissional pode ser constatado pelos parâmetros citados. “Fica claro que discursos mais assertivos ou apelativos comprovam a tentativa do influencer de convencer e induzir os investidores”, disse em nota Rafael Custódio, gerente ligado à Superintendência de Supervisão de Investidores (SIN) da CVM.
Parcerias com plataformas
De acordo com o levantamento mais recente da Anbima, com dados até dezembro de 2021, a XP é a empresa que tem mais parcerias ativas, atuando com seis influenciadores. A pesquisa utilizou como fonte informações dos próprios canais e levou em conta as instituições associadas ou aderentes aos códigos da associação. Em seguida, BTG Pactual, Clear, Eu Quero Investir, Genial e Suno Asset têm três parcerias cada uma.
“Os resultados mostram que 17% dos influenciadores monitorados já tiveram algum tipo de relação profissional com instituições do mercado até dezembro de 2021”, indica relatório. Em comparação a abril de 2021, o número de parcerias ativas subiu de 41 para 47, uma alta de 14,6%. Foram contabilizados 277 influenciadores digitais ativos no país, que produzem conteúdos para Facebook, Instagram, Twitter e YouTube. O alcance dos perfis, em todas as redes, chega a 91,5 milhões de seguidores.
Mazon opina que até a CVM regular de fato esta área, o que será visto é uma atenção crescente por parte da autorregulação. Ele considera que esta atuação, exercida pela Anbima, por um lado, ajuda o regulador. Por outro, serve para evitar regras rígidas demais. “De qualquer forma, se a autorregulação funciona, ela impede que criem regras rigorosas que não façam sentido.” Ele aponta que, no Brasil, o mercado funciona muito apoiado nessa lógica, mas que isso exige que o órgão responsável, a CVM, tenha um olhar atento para ver se o resultado é o desejado.
O interesse da Anbima em acompanhar os influencers, além de antecipar as questões regulatórias, indica como o canal digital é importante para as instituições financeiras se comunicarem com seus públicos. “Estas personalidades falam uma linguagem de igual para igual com o consumidor. Têm perfis muito diversificados que atingem grupos específicos, o que é interessante para qualquer tipo de marca”, comenta o advogado.