Para o mercado de criptoativos é inviável taxar com IOF as moedas virtuais. Foto: AdobeStock
As investidas do governo federal para aumentar a arrecadação têm gerado um maior interesse pelas criptomoedas como alternativa para driblar tributos. Basta fazer uma pesquisa na internet para ver o aumento de conteúdos a respeito do tema, voltados, por exemplo, para quem faz compras e remessas internacionais. O aumento para 3,5% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nessas transações multiplicou essas abordagens.
Esse movimento já provoca reações dentro do próprio governo, como a sugestão do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, de taxar remessas com criptoativos, conforme noticiado pela imprensa. Também foi tema de alerta por parte de economistas do Itaú, que sugeriram, durante um evento do banco, a tributação de transações com stablecoins como compensação fiscal ao recuo de outras alíquotas do IOF.
“O IOF é uma propaganda gratuita para as criptomoedas. Toda vez que você aumenta impostos sobre meios tradicionais, você está lembrando que existem intermediários mais eficientes”, afirma Vinícius Bazan, CEO da Underblock, casa de análise especializada em criptoativos.
Segundo Bazan, a utilização de stablecoins como o USDT (Tether) ou USDC (Circle) já dominava boa parte das transações internacionais feitas por brasileiros. “O maior volume de transações informadas à Receita Federal é com USDT, não com Bitcoin. Já era vantajoso para grandes remessas, e agora com a propaganda só ficou melhor. É um caminho mais barato”, diz.
Com uma conta em corretora de criptoativos é possível comprar o dólar sintético, Tether, Circle e outras opções com baixo spread (0,5% a 1%), sem incidência de IOF e com liquidez imediata para transações.
Bazan é cético sobre a possibilidade de o governo avançar com a taxação dessas operações. “É besteira. Isso não vai acontecer. As propostas que surgem são inconsistentes, porque sequer entendem como o mercado funciona. A Receita já tentou impor regras que não param de pé”, afirma.
Na sua visão, se o governo decidir tributar criptoativos na entrada, isso tende a ampliar ainda mais a vantagem competitiva das corretoras estrangeiras sobre as locais, como o Mercado Bitcoin.
Entre as vantagens estão a menor carga regulatória. Exchanges de fora, como Binance e Bybit, não fazem reporte obrigatório de dados à Receita Federal, além de oferecerem negociação de derivativos e alavancagem proibidas no Brasil, mas que podem ser adas por quem usa VPN. Além disso, como não têm os custos de uma operação brasileira, podem oferecer taxas mais competitivas. “Andar na linha aqui no Brasil é caro”, lamenta o executivo.
Fuga inevitável, tributação improvável
A mesma visão é compartilhada por André Franco, CEO da Boost Research. Para ele, enquanto houver espaço legal, a arbitragem tributária com cripto seguirá viva. “Essa brecha vai existir. Mesmo que o governo taxe as exchanges brasileiras, o investidor pode comprar bitcoin aqui e trocar por dólar lá fora. É como tentar pegar água com as mãos”, afirma.
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Para ele, a complexidade técnica e o custo político tornam improvável uma regulamentação eficaz do IOF sobre criptos. “O governo não vai criar uma estrutura própria para cobrar esse imposto. Vai tentar empurrar a conta para as exchanges locais, o que só vai estimular a fuga para as plataformas estrangeiras.”
Franco lembra que a tributação de cripto já é regida pela Receita Federal hoje pela lógica de investimento. “Na compra, não há incidência de imposto. Só na venda, caso haja ganho de capital.”
Os especialistas dizem que transferir dinheiro para fora do Brasil via criptomoedas é tão simples quanto fazer um Pix. O investidor pode comprar uma stablecoin (como USDT) numa corretora brasileira ou estrangeira e enviar esse ativo para outro endereço, que pode ser a conta de alguém em uma corretora no exterior, como a Bybit ou a Coinbase.
Basta ter o “endereço da carteira” (como se fosse uma chave Pix), colar no campo de destino e autorizar o envio. Em minutos, a moeda chega à nova conta, pronta para ser usada, sacada em dólar ou carregada em um cartão cripto. Não é preciso ar por banco, nem fazer remessa formal.
Será que é tão simples assim?
Esse é um sistema perfeito — e bem mais barato — para quem tem despesas recorrentes em dólar, como é o caso de Luciano França, diretor de portfólio da AvantGarde. Ele ressalta, no entanto, que não existe solução mágica.
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“Não são soluções triviais. Todas envolvem algum tipo de transferência que foge ao que era o uso comum com plataformas como Wise ou Nomad, que ficaram 3% mais caras”, diz. França testou o cartão da Bybit, que não funcionou como esperava, e avalia soluções como a Kast ou o AstroPay, esta última apontada como livre de IOF na conversão para o dólar, mas que não faz parte do universo cripto.
França diz que ou a se interessar pelo cartão Porto Bank Visa Infinity, que desde 2024 tem a tarifa zero de IOF para despesas internacionais (via cashback). Essa foi uma ação de marketing da unidade de negócios financeiros da Porto (PSSA3) para se adiantar ao IOF zero previsto para 2026, dentro do acordo do Brasil para adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O organismo multilateral recomenda, como parte das boas práticas tributárias internacionais, a eliminação de barreiras fiscais ao fluxo de capitais, incluindo impostos que distorcem transações transfronteiriças, como o IOF no câmbio. Mesmo com o recente aumento do IOF por parte do governo Lula, a Porto Seguro manteve a promoção aos seus clientes.
“O governo anterior tinha um cronograma de redução do IOF até zerar, alinhado às demandas da OCDE. Agora, voltamos a usar o imposto como ferramenta fiscal, o que afasta investidores e nos tira do padrão internacional”, critica Luciano França.
Nem é tão complicado
Apesar da impressão de complexidade, os cartões vinculados a exchanges cripto evoluíram muito nos últimos anos. “Antes era complicado. Hoje, você cria a conta, coloca no Apple Pay ou Google Pay, carrega com USDT ou outra moeda e começa a usar no mesmo dia”, afirma André Franco. Ele diz que o spread desses cartões fica entre 2% e 4%, o que pode ser vantajoso frente ao dólar turismo dos cartões convencionais que pode chegar a 7%, somado ao novo IOF de 3,5%, numa despesa que pode ser superior a 10%.
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Franco reconhece, no entanto, que a experiência pode assustar os não iniciados. “No Wise, por exemplo, você manda um Pix e já tem dólar lá dentro. Com cripto, você precisa abrir conta em corretora, entender a lógica da conversão. Pode assustar um pouco, mas para quem já está nesse ambiente, é natural”, explica.
Ele cita que há várias opções de cartões, tanto em corretoras brasileiras, como o Mercado Bitcoin, quanto estrangeiras, como Red Dot e Kast, todos com bandeiras como a Visa, operadoras atentas ao mercado de criptomoedas há anos. A Visa se envolve com esse universo desde 2017 para atender à nova demanda de público. “São todos parecidos em taxas e usabilidade. E como a abertura é gratuita, vale testar mais de um”, diz Franco.